quinta-feira, 17 de junho de 2010

Construir família em terra estrangeira

Mensagem da Comissão Episcopal da Mobilidade Humana para o Dia Mundial do Migrante e Refugiado 2007

1. A mobilidade é uma característica do ser humano, mas que assumiu, desde há décadas, dimensões inimagináveis em várias latitudes do mundo. A realidade da globalização, secundada com os potentes meios de comunicação, veio acentuar fortemente este fenómeno, dotando-o de grandes potencialidades, mas também provocando mutações socio-culturais. Algumas dessas mudanças põem em perigo a coesão social e a unidade familiar favoráveis ao crescimento equilibrado e harmónico da pessoa humana. Deste modo, a mensagem do Santo Padre para o 93º Dia Mundial do Migrante e do Refugiado, a celebrar em toda a Igreja no próximo dia 14 de Janeiro e que tem como tema a família migrante, é de grande oportunidade e actualidade. Uma mensagem a ser divulgada em todas as paróquias e media de inspiração cristã!

É dado adquirido que, em grande percentagem, as migrações internas ou internacionais são motivadas por razões económicas, sobretudo, tendo em conta o futuro dos filhos, que os seus progenitores desejam melhorar através do recurso à emigração. Embora a mensagem do Santo Padre também tenha em conta as migrações forçadas, devido a guerras, racismo, perseguição política ou religiosa, nesta minha nota saliento apenas a relação do migrante com a família, independentemente dos motivos da sua mobilidade.

2. Parece ser um dado adquirido que a pessoa humana precisa da família para nascer, crescer integralmente e viver. Sem esta relação primordial dificilmente teremos pessoas com auto-estima e estabilidade interior suficientes para enfrentar as crises de crescimento e integrar-se harmoniosamente nas respectivas sociedades. Por isso, é de todo o interesse para a sociedade, em geral, que se ponha em prática a Convenção Internacional para a protecção do direitos de todos os trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias, que entrou em vigor a 1 de Julho de 2003, como refere Bento XVI na mensagem.

É necessário salvaguardar o direito humano à reunião dos membros da família dos migrantes e refugiados e dar-lhes condições de inclusão na sociedade de trânsito ou de residência, para evitar graves crises afectivas, geracionais e sociais. A memória e trajectória das nossas Comunidades Portuguesas estão repletas de crises familiares. De facto, por falta do devido cuidado pastoral, ou mesmo por se ter dificultado – através de leis políticas alimentadas por atitudes securitárias – a unificação e reagrupamento familiar dos migrantes, têm surgido muitos desajustamentos nos membros da primeira geração de emigrantes portugueses, assim como de imigrantes em Portugal. Constatam-se “mecanismos de defesa” que impedem uma maturação dos jovens da segunda geração, o que pode provocar graves perturbações da vida social, como ultimamente se verificou em algumas cidades e bairros de países da União Europeia.

3. Os cristãos, do Oriente e do Ocidente, ao reflectirem sobre o mistério de Natal do Deus connosco, olhando para a Sagrada Família de Nazaré, que viveu refugiada no Egipto, não podem ficar impassíveis perante a realidade das migrações. Urge continuar a apoiar as famílias desagregadas por este fenómeno e a acolher positivamente aqueles que vêm, desde a Ásia à América Latina, até nós por vezes com pequenos gestos concretos. Uma atitude de acolhimento a praticar não apenas na altura de Natal ou da Festa dos Povos a qual, registo com agrado, já se celebra em muitas dioceses, tal como tem proposto a Comissão Episcopal a que presido. Os migrantes, sejam portugueses em diáspora, sejam imigrantes e refugiados entre nós, devem sentir que nós, não só fazemos parte da sua família e vice-versa, mas também que lutamos com eles, e suas Associações, para que toda a família possa viver unida nas terras onde trabalha e se sacrifica pela melhoria do nível de vida. Bem-estar económico sem família unida não contribui para o bem pessoal, social e nacional.

Em nome da Comissão Episcopal da Mobilidade Humana em Portugal saúdo todos os refugiados e migrantes, elevando o meu pensamento e oração por todos aqueles – emigrantes e imigrantes – que vivem longe da família ou dela estão privados por causa da: reclusão, irregularidade, deportação, estudo, trabalho, envelhecimento, viuvez, orfandade e doença, entre outros. Uma particular saudação para os requerentes de asilo e refugiados que, após terem arriscado as suas vidas na travessia de desertos e mares, separados das suas famílias, se encontram a salvo e em liberdade no nosso país. Sois todos bem-vindos!

4. Reafirmo o apelo a todos os cristãos, estruturas eclesiais e homens de boa vontade, seja qual for a religião, mas apaixonados - como nós - pela beleza da dignidade humana, para que não adormeçam na indiferença e, com a fantasia da caridade, inspirados pelo direito a viver em família, tudo façam para a reunificação e coesão das famílias migrantes e refugiadas. Que as famílias portuguesas, movimentos de espiritualidade familiar e centros de apoio à família continuem a dar também o seu precioso e solidário testemunho de vida!

Com votos de um ano de 2007 repleto das bênçãos de Deus e de sinais de acolhimento para a unidade da grande família humana,

Beja, 7 de Janeiro de 2007
Solenidade da Epifania do Senhor
António Vitalino, Bispo de Beja
Presidente da Comissão Episcopal da Mobilidade Humana

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