quarta-feira, 18 de maio de 2011

“Discernimento e participação política”





Homilia do cardeal-patriarca de Lisboa na bênção dos finalistas universitários

“Discernimento e participação política”

Queridos Finalistas, Esta é uma etapa importante no percurso da vossa vida, na vossa realização pessoal, na descoberta dos meios e dos caminhos para contribuirdes para a construção da nossa sociedade. Pessoalmente, saúdo-vos e felicito-vos; em nome de Deus, com o poder da Igreja, abençoo-vos. Recentemente, movimentos sociais tentaram definir-vos como “geração à rasca”; prefiro ver-vos como geração com coragem para enfrentar o futuro com generosidade e ideal. Mas isso supõe, imediatamente, enfrentar o presente com coragem e lucidez. E o presente não é apenas o vosso, é o de todo o nosso Povo. Isso supõe, antes de mais, discernimento, acerca de vós mesmos, acerca dos problemas da sociedade, acerca dos caminhos que desafiam a vossa generosidade e criatividade.


1. Discernimento acerca de vós mesmos: o vosso lema-compromisso desafia-vos a isso: “escuta o teu coração, segue o teu dom”. Essa é a riqueza de uma comunidade humana: somos todos diferentes e, por isso, temos de nos completar uns aos outros, na busca do bem comum. Ao tentardes perceber quem sois, o que desejais e do que sois capazes, não podeis esquecer a vossa qualidade de cristãos, que vos congrega hoje aqui. Todos os vossos dons são dádivas de Deus, e são enriquecidos pelo amor de Jesus Cristo que vos ama e vos escolheu. É por isso que só o Espírito Santo, o primeiro dos dons, vos ajudará a conhecer-vos com verdade e profundidade, e fará das vossas diferenças a força que une e constrói comunidade. Ouvimos agora o texto de São Paulo: são muitos e diferentes os dons, um só é o Espírito que os suscita. “Em cada um se manifestam os dons do Espírito para o bem comum”. Só o Espírito fará com que as nossas diferenças não signifiquem fragilidade, mas força irresistível e criativa. Quando cada um de vós se perguntar, “quem sou eu e de que sou capaz”, não esqueçais o pedido de Jesus: “permanecei no meu amor”; “já não vos chamo servos, mas amigos”. Como fez com os discípulos de Emaús, Ele trilha connosco os caminhos da vida, é companheiro de viagem e de aventura. Nunca respondais àquela pergunta: “quem sou e do que sou capaz”, sem contardes com Ele, sem o ouvirdes a Ele”.


2. Discernimento acerca da realidade. Sempre, mas especialmente em momentos difíceis como o que atravessamos, é importante que cada cristão possa compreender, o melhor possível, o que se passa, qual a natureza dos problemas. A convivência democrática, valor principal da organização da sociedade, assenta nessa verdade simples e exigente: são todos corresponsáveis no destino coletivo, pelo contributo que dão, pelas escolhas que fazem, por exemplo, quando são chamados a decidir, pelo voto, quem nos há de governar. É cada vez mais importante o discernimento, que todos percebam, o melhor possível, a realidade. Para isso, não basta o discurso dos políticos; é preciso ouvir outras vozes, variadas e, tantas vezes, contraditórias, o que torna indispensável a reflexão pessoal e a síntese interior.


Nós os cristãos, na busca da verdade dos problemas e das situações, não podemos deixar de escutar o Evangelho e a voz da Igreja. Há uma doutrina da Igreja sobre a pessoa humana e sobre a sociedade, que pode lançar luz sobre todos os problemas que nos preocupam e sobre a melhor maneira de nos organizarmos para tornar a nossa sociedade mais justa e mais fraterna. A natureza e o papel do Estado que, segundo o princípio da subsidiariedade, não deve chamar a si aquilo que os cidadãos e a sociedade civil organizada podem fazer: sobre as empresas e sobre o lucro; sobre o trabalho e os direitos dos trabalhadores; sobre o mercado e a relação entre finanças e economia; sobre a justiça social, etc. Desafio-vos a introduzirdes esta palavra da Igreja na busca da vossa compreensão da realidade e dos caminhos a seguir. Não precisamos de nos empenhar nas lutas partidárias, embora isso seja legítimo para os cristãos, para influenciarmos a política, isto é, o rumo de construção da nossa sociedade. Basta procurar uma compreensão profunda e alargada, baseada na busca da verdade, das realidades e dos desafios.


3. Discernimento sobre aquilo que podemos fazer para o bem comum. Cada um deve procurar perceber o que pode fazer, qual o seu contributo para o bem comum. É a última parte do vosso lema-compromisso: “melhora o teu mundo”. E aí a primeira palavra a escutar é a do próprio Jesus: “Permanecei no meu amor. Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor (…). É este o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros como Eu vos amei”. Só o amor é a força que transforma as sociedades, pois é a fonte da coragem e da ousadia, revela o sentido profundo do nosso compromisso, faz com que a nossa participação social se transforme em ideal. Claro que tendes direito a lutar pela vossa realização pessoal, mas nunca desligueis esse objetivo da busca do bem de todos. Para o cristão, a realização pessoal ganha sentido quando é dom, quando se assume como realização do bem dos outros. A sociedade não pode ser um conjunto de interesses individuais ou grupais, na melhor das hipóteses regulados pela lei. Temos de partir para essa luta com a ousadia da generosidade e da gratuidade. Como dizia o Presidente Kennedy: “não perguntem apenas o que o País pode fazem por vós; perguntai primeiro o que cada um de vós pode fazer pelo nosso País”. Sede criativos nos projetos, solidários na busca de soluções. Não encontrareis nas formas já inventadas e conhecidas os únicos caminhos da vossa realização. O País ajudar-vos-á e aprenderá convosco.


Lisboa, 14 de maio de 2011


D. José Policarpo, Cardeal-Patriarca


Documentos D. José Policarpo 2011-05-14 12:31:00 5607 Caracteres Diocese de Lisboa

Sem comentários: