Artigo 13.º
3.ª Edição
COMUNICAÇÃO
TEMA
(DES) IGUALDADE DE OPORTUNIDADES
TÍTULO
RECONHECIMENTO EFECTIVO DA CIDADANIA COMO CONDIÇÃO PARA A
IGUALDADE DE OPORTUNIDADES
AUTOR: JOSÉ MÁRIO BARROS
INSTITUIÇÃO: Associação de Melhoramentos e Recreativo do Talude
‘ O debate da cidadania é a um tempo fundamental e nobre.’
Roberto Carneiro - Coordenador do Observatório da Imigração do ACIDI
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OBJECTIVOS: Contribuir para o debate acerca da desigualdade de oportunidades
que enfrentam os descendentes de imigrantes e, através deste, contribuir para uma
consciencialização da sociedade acerca desta problemática.
ENQUADRAMENTO TEÓRICO: Adoptamos a perspectiva interdisciplinar de
conjugação de diversas disciplinas das ciências socais que poderão contribuir para
a compreensão da problemática, desde de contributos do Direito Comparado, da
Sociologia das Migrações, passando, por estudos sobre Descendentes de
Imigrantes e Práticas Sociais.
METODOLOGIA: Análise do conteúdo da legislação e bibliografia inerente às
questões em causa, e confrontação entre o estipulado pelas leis com a sua
aplicação, ou não, na prática, procurando salientar as discrepâncias mais
importantes e suas consequências.
PALAVRAS-CHAVE: Cidadania; Descendente de imigrante; (Des) Igualdade de
oportunidades; Direito; Prática Social.
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ENQUADRAMENTO
Constituição da República Portuguesa
Artigo 13.º
(Princípio da igualdade)
1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer
direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua,
território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução,
situação económica, condição social ou orientação sexual.
Carta Internacional dos Direitos Humanos
Declaração Universal dos Direitos do Homem
Artigo 13.º
1. Toda a pessoa tem o direito de livremente circular e escolher a sua residência
no interior de um Estado.
2. Toda a pessoa tem o direito de abandonar o país em que se encontra, incluindo
o seu, e o direito de regressar ao seu país.
Dos três temas propostos escolhemos o 3º: (Des) Igualdade de oportunidades
porque a população com qual e para qual a Associação de Melhoramentos e
Recreativa do Talude trabalha enfrenta, muitas vezes, esta situação.
Ora, precisamente, o que consagra o nº 1, do artigo 13º da Constituição da
República Portuguesa é o contrário, quer dizer, a Constituição consagra o
principio de igualdade, incluindo a de oportunidades, ou seja, consagra a
igualdade de todos os cidadãos em termos de dignidade na sociedade e de
tratamento perante a lei.
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Esta consagração deveria possibilitar, como consequência, uma situação de
igualdade, em termos de oportunidades, de todos os cidadãos no acesso aos
recursos na/da sociedade;
O nº 2 do artigo 13º, especificando, estipula que ninguém pode ser privilegiado ou
privado (quer dizer que a igualdade consagrada no nº anterior não pode ser
desrespeitada) em função de, entre outras diferenças, local de origem, quer dizer,
de o cidadão ser originário de outro território que não Portugal, portanto, de o
cidadão possuir outra Naturalidade/Nacionalidade. Embora seja o nº 1, do artigo
15.º (1) a estabelecer expressamente que os estrangeiros que se encontrem ou
residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão
português. No entanto, com limitações em algumas situações como entrada e
saída do território e exclusões em outras como os direitos políticos.
Por seu lado, o artigo 13º da Declaração Universal dos direitos do Homem
consagra no seu nº 2 que todas as pessoas têm o direito de circular entre os
países, quer dizer, que todas as pessoas têm o direito de migrarem e, no seu nº1,
que todos têm o direito de circular e escolher livremente a sua residência no
interior de um país. Em suma, a Declaração Universal dos direitos do Homem
consagra o direito à livre circulação e de residência, no mundo inteiro, de todos os
seres humanos. (Ainda que, como a de outros países, a Constituição da República
Portuguesa esteja em conformidade e reconheça (2) validade universal aos
preceitos consagrados na Declaração Universal dos direitos do Homem, não se
explicita como se deverão operacionalizar esses princípios).
Apesar de nem sempre encontrarmos, nos textos, em análise, a mesma
terminologia, no entanto, assumimos que o que está em referência, de cada vez, é
1 Constituição da República Portuguesa, Artigo 15.º (Estrangeiros, apátridas, cidadãos europeus)
1. Os estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do
cidadão português; 2. Exceptuam-se do disposto no número anterior os direitos políticos, o exercício das funções públicas que não
tenham carácter predominantemente técnico e os direitos e deveres reservados pela Constituição e pela lei exclusivamente aos
cidadãos portugueses; 3. Aos cidadãos dos Estados de língua portuguesa com residência permanente em Portugal são
reconhecidos, nos termos da lei e em condições de reciprocidade, direitos não conferidos a estrangeiros, salvo o acesso aos cargos
de Presidente da República, Presidente da Assembleia da República, Primeiro-Ministro, Presidentes dos tribunais supremos e o
serviço nas Forças Armadas e na carreira diplomática; 4. A lei pode atribuir a estrangeiros residentes no território nacional, em
condições de reciprocidade, capacidade eleitoral activa e passiva para a eleição dos titulares de órgãos de autarquias locais;
5. A lei pode ainda atribuir, em condições de reciprocidade, aos cidadãos dos Estados-membros da União Europeia residentes em
Portugal o direito de elegerem e serem eleitos Deputados ao Parlamento Europeu.
2 Idem, Artigo 16.º, nº. 2. Os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e
integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem.
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sempre o mesmo conteúdo, quer dizer o ser humano, pessoa humana, o cidadão
de um Estado/dentro de um Estado. Mesmo sendo um cidadão estrangeiro para
um determinado Estado, será sempre cidadão Nacional de um outro determinado
Estado. (Não vamos entrar aqui na questão que consideramos pacífica, a de
saber se a qualidade da pessoa humana tem preponderância face à qualidade de
cidadão, como consideramos, está consagrado na Constituição da Republica
Portuguesa (3) e na Declaração Universal dos Direitos do Homem (4)).
Pelo que, para efeitos de clarificação/uniformização terminológica, doravante
utilizaremos sempre o termo cidadão e referir-nos-emos, de cada vez, à condição
de cidadania, que lhe é inerente.
CIDADANIA VERSUS DESIGUALDADE SOCIAL
A partir de Bryan Turner (5) consideramos que a Cidadania é o conjunto de
procedimentos (jurídicos, políticos, económicos e culturais) que caracterizam a
prática de um indivíduo, como membro de uma sociedade, e que definem, em
consequência, o fluxo dos recursos para os membros dessa mesma sociedade.
Esta compreensão implica que, a questão da cidadania seja estruturada em volta
de duas problemáticas fundamentais, a saber: A primeira em volta da natureza da
pertença social, - quer dizer, do modo como essa pertença é determinada e dos
requisitos que orientam essa determinação, - para a qual a autoridade do Estado –
Nação é fundamental; A segunda em volta da distribuição eficiente e igualitária (ou
não) dos recursos nessa mesma sociedade; (e aqui estão em causa todas as
espécies de recursos sociais e económicos).
Pretende-se, deste modo, evitar uma definição com carácter unicamente jurídicolegal
que redundaria numa mera compilação de direitos e deveres. Pelo que, esta
compreensão, aponta para além dessa perspectiva teórico - legal, focando sobre
os procedimentos, na prática.
Neste sentido, a prática quer significar a dinâmica da construção social da
cidadania, - não exclusivamente fixada a um conceito jurídico-legalmente
3 Idem, Artigo 1.º Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada
na construção de uma sociedade livre, justa e solidária. (Sexta revisão constitucional - 2004)
4 Declaração Universal dos Direitos do Homem, Artigo 1.º Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos.
Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.
5 Cf. Turner S. Bryan: Contemporary Problems in the theory of Citizenship, in Citizenship and Social Theory, edited by Bryan S.
Turner, SAGE Publications, London, 1993
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estabelecido, embora tendo um papel primordial na definição do seu conteúdo
conceptual, - que muda conjunturalmente em decorrência de exigências políticas e
sociais, além de interesses de grupos particulares.
Posto que, a ideia de cidadania na prática aponta para os factos que ocorrem na
sociedade, que é aonde ocorrem, também, as situações de desigualdades. Isto
porque cidadania está inevitavelmente e necessariamente ligada ao problema da
desigual distribuição dos recursos numa sociedade, logo com a (des)igualdade de
oportunidades, que lhe subjaz.
DESCENDENTES ESTRANGEIROS VERSUS DESCENDENTES CIDADÃOS
A Lei Orgânica n.º 2/2006, (6) veio introduzir alterações substanciais à Lei da
Nacionalidade, consagrando o direito à nacionalidade portuguesa aos
descendentes de imigrantes, possibilitando, deste modo o acesso à plena
cidadania, como estabelece o “Artigo 1.o 1— São portugueses de origem:
d) Os indivíduos nascidos no território português, filhos de estrangeiros, se pelo
menos um dos progenitores também aqui tiver nascido e aqui tiver residência,
independentemente de título, ao tempo do nascimento;
e) Os indivíduos nascidos no território português, filhos de estrangeiros que não
se encontrem ao serviço do respectivo Estado, se declararem que querem ser
portugueses e desde que, no momento do nascimento, um dos progenitores aqui
resida legalmente há pelo menos cinco anos; (Também concede a nacionalidade
portuguesa aos descendentes de imigrantes nascidos anteriormente, como
estabelece) Artigo 6.o 1—O Governo concede a nacionalidade portuguesa, por
naturalização, aos estrangeiros que satisfaçam cumulativamente os seguintes
requisitos:
a) Serem maiores ou emancipados à face da lei portuguesa;
b) Residirem legalmente no território português há pelo menos seis anos;
c) Conhecerem suficientemente a língua portuguesa;
d) Não terem sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, pela prática
de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos,
segundo a lei portuguesa.
6 In Diário da Republica 75 Série I-A, de 17 de Abril – Quarta alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro (Lei da Nacionalidade)
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2— O Governo concede a nacionalidade, por naturalização, aos menores,
nascidos no território português, filhos de estrangeiros, desde que preencham os
requisitos das alíneas c) e d) do número anterior e desde que, no momento do
pedido, se verifique uma das seguintes condições:
a) Um dos progenitores aqui resida legalmente há pelo menos cinco anos;
b) O menor aqui tenha concluído o 1.o ciclo do ensino básico.
3— O Governo concede a naturalização, com dispensa dos requisitos previstos
nas alíneas b) e c) do n.o 1, aos indivíduos que tenham tido a nacionalidade
portuguesa e que, tendo-a perdido, nunca tenham adquirido outra nacionalidade.
4— O Governo concede a naturalização, com dispensa do requisito previsto na
alínea b) do n.o 1, aos indivíduos nascidos no estrangeiro com, pelo menos, um
ascendente do 2.o grau da linha recta da nacionalidade portuguesa e que não
tenha perdido esta nacionalidade.
5— O Governo pode conceder a nacionalidade, por naturalização, com dispensa
do requisito estabelecido na alínea b) do n.o 1, a indivíduos nascidos no território
português, filhos de estrangeiros, que aqui tenham permanecido habitualmente
nos 10 anos imediatamente anteriores ao pedido.’
Antes destas referidas alterações à Lei os descendentes de imigrantes poderiam
adquirir a nacionalidade portuguesa apenas se os seus pais já possuíssem a
nacionalidade portuguesa e, por efeito da lei e vontade expressa dos mesmos.
Havendo, por isso, situações de indivíduos nascidos em Portugal de pais,
também, nascidos em Portugal que para a atribuição da nacionalidade portuguesa
era requerido a manifestação expressa de vontade para o efeito, porque não se
encontrava consagrado o simples efeito da lei. Daí que, pelo facto muitos pais não
reunirem, a quando do nascimento dos filhos, os requisitos necessários para a
atribuição da nacionalidade aos mesmos, estes ficaram impossibilitados de
adquirir a nacionalidade portuguesa. Esta disposição legal configurava uma
situação clara de desigualdade, como refere Jorge Pereira da Silva: ‘De facto, pelo
menos nas situações de duplo ius soli – ou seja, em relação à terceira geração de
imigrantes, em que os pais dos indivíduos agora nascidos em território português
também já nasceram, eles próprios, em território português -, é inadmissível que a
atribuição da cidadania portuguesa não se faça por simples efeito da lei, sem
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necessidade de qualquer declaração ou manifestação de vontade.’ (7) Pelo que,
nesta situação deparamo-nos com uma primeira situação de desigualdade, de
discriminação dos descendentes de imigrantes, que nasceram em Portugal mas
não puderam aceder à nacionalidade, porque, de facto, também não são
imigrantes porque não vieram de outro lugar, nasceram aqui, no país de
acolhimento dos pais.
Portanto, com a mudança do estatuto jurídico dos descendentes de imigrantes, ao
longo dos tempos, alguns tornaram-se cidadãos portugueses, outros cidadãos
estrangeiros. No entanto, na prática, acabavam todos por serem considerados
estrangeiros-imigrantes, todos acabavam por sofrer, de uma maneira geral, da
mesma postura discriminatória, por parte da sociedade. Posto que, se associa a
origem de um individuo e, por implicação a sua nacionalidade à cor da pele e, por
consequência, acabavam todos por enfrentar o estigma que cai sobre o imigranteestrangeiro,
associado à xenofobia, à descriminação racial, à exclusão económica
social e cultural e mesmo a guetização.
O DIREITO À IGUALDADE VERSUS A PRÁTICA DISCRIMINATÓRIA
O artigo 13º da Declaração Universal dos Direitos do Homem consagra o direito
de qualquer cidadão de qualquer Estado circular e estabelecer residência em
qualquer parte do mundo. O artigo 13º da Constituição da República Portuguesa
estabelece o princípio da igualdade entre cidadão do Estado Português e o
cidadão estrangeiro e o artigo 15º estabelece que o cidadão estrangeiro e o
cidadão nacional gozam dos mesmos direitos e têm os mesmos deveres. No
entanto, na prática, subsistem, ainda, muitas situações que consubstanciam uma
distinção entre cidadão Nacional e cidadão estrangeiro.
Diremos que, de direito, há uma igualdade, mas, na prática, há uma desigualdade,
há uma privação de direitos, em razão do território de origem ser diferente do
nacional.
Ainda que o artigo 15º faça uma equiparação entre o cidadão nacional e o
estrangeiro, o que implica uma igualdade de tratamento entre os cidadãos
estrangeiros e os cidadãos nacionais de Portugal. No entanto, os cidadãos
7 Silva, Jorge Pereira da - Direitos de Cidadania e Direito à Cidadania, Lisboa, Edição Alto Comissariado para a Imigração e
Minorias Étnicas (ACIME), 2004, pg. 107
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estrangeiros são discriminados, mas, mais paradoxal é, ainda, a situação dos
descendentes de imigrantes com nacionalidade portuguesa.
O que queremos salientar é que apesar de os descendentes de imigrantes
possuírem o estatuto de cidadão, - estamos a considerar os descendentes de
imigrantes africanos em geral (PALOP’s) e dos caboverdianos em particular - , a
concessão desse estatuto não os vem colocar em pé de igualdade com os outros
cidadãos nacionais não descendentes de imigrantes. Isto porque, com a simples
concessão desse estatuto não se criam as condições suficientes para que, na
prática, esse estatuto possa ser reconhecido em toda a esfera social e possibilitar,
desse modo, o exercício efectivo da cidadania.
Pois, os pressupostos da justiça e igualdade que o Estado Português se propõe
proporcionar, através da lei, não se traduzem, na prática, no tratamento que lhes é
dispensado pelas suas próprias instituições, nem pelas instituições privadas, nem
diríamos, pela sociedade no seu todo, de um modo geral. Existem até exemplos
de leis ordinárias que violam a constituição, como o regime geral de recrutamento
e selecção de pessoal da função pública, como afirma Jorge Pereira da Silva:
‘Serão certamente inconstitucionais todas as normas legais e regulamentares que
exigem a cidadania portuguesa como requisito de admissão aos concursos
destinados ao preenchimento e desempenho de funções públicas, sempre que
estas últimas tenham carácter predominantemente técnico. (…) É o que sucede
desde logo, com a alínea a) do nº 2 do artigo 29º do Decreto-Lei nº 204/98, de 11
de Julho, que contém o regime geral de recrutamento e selecção de pessoal da
função pública.’ (8 )Nesta situação concreta a discriminação – através da violação
da constituição, de uma forma clara - incide directamente sobre os estrangeiros,
mas os descendentes de imigrantes com nacionalidade portuguesa também estão
sujeitos a estas situações, embora assumam, a maior parte das vezes, formas
mais subtis.
Assim, os descendentes de imigrantes, cidadãos portugueses, sofreram e sofrem
situações de desigualdade de oportunidades apesar de que, como portugueses,
se lhes devesse reconhecer os mesmos direitos que os restantes cidadãos. Eles
são descriminados, também, porque a cor da pele os denuncia como diferentes e
por isso os agentes sociais não lhes reservam um tratamento igual aos demais
8 Silva, Jorge Pereira da - Direitos de Cidadania e Direito à Cidadania, Ob. Cit. pg. 41
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cidadãos. Encontramos, também, relatos de situações que configuram a
desigualdade de oportunidades nas escolas, no acesso ao/no emprego, no acesso
à/na saúde e/em outros serviços estatais e privados. Também são discriminados
devido ao local onde habitam, porque habitando zonas que sofrem de estigma,
têm maior dificuldade em conseguir, por exemplo, um emprego.
O que acontece é que a atribuição por parte do Estado, e a aquisição por parte do
cidadão do estatuto da cidadania portuguesa, por si, só não garante as condições
para a assunção plena da cidadania. Referindo à possível alteração que veria a
ser consagrada na referida lei n.º 2/2006 Jorge da Silva afirmava: ‘Por isso a
modulação do regime jurídico da cidadania, no sentido da facilitação da sua
atribuição ou aquisição por parte de imigrantes, só verá os seus efeitos
potenciados se as medidas adoptadas neste plano forem articuladas com um
conjunto de outros instrumentos de integração económica (vg., no mercado de
trabalho ou no tecido empresarial), social (vg., na família, na comunidade de
vizinhos, nas organizações comunitárias) e cultural (vg., no conhecimento da
língua e dos costumes).
Caso contrário, a integração política que a concessão da cidadania mais
directamente proporciona, quedar-se-á letra morta. Os novos cidadãos, se
permanecerem excluídos, económica, social e culturalmente, continuarão por
certo a não ter interesse particular na construção de um destino comum e
permanecerão alheados dos negócios públicos e das decisões políticas
fundamentais da comunidade (9).’ Quer dizer, a concessão da cidadania, por si
mesma, não coloca os novos cidadãos numa situação de igualdade de
oportunidades socio-económicas. Pois estas condições – materiais - deverão ser
criadas, mas consideramos que condições – psicossociais – também devem ser
criadas. Posto que as mentalidades deverão ser alteradas, por que se se
continuar a considerar que quem tem a pele mais escura é inferior a quem tenha
pela mais clara, prejudicando-os no acesso a recursos com acções e omissões, as
leis serão insuficientes para proporcionarem a devida situação de igualdade de
oportunidades. As situações de descriminação continuarão, privando cidadãos dos
seus direitos, impossibilitando-as de acederem a todos os recursos que o Estado
9 Silva, Jorge Pereira da - Direitos de Cidadania e Direito à Cidadania, Ob. Cit. pg. 22
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põe à disposição dos seus cidadãos, estando, por isso, sempre numa situação de
desigualdade face aos outros.
Porque a efectividade da igualdade de oportunidades dá-se ou não no
relacionamento com os outros que, enquanto agentes sociais, poderão ou não o
proporcionar o acesso aos recursos, sejam eles de que natureza forem, em
condições de igualdade de oportunidades para os descendentes, ou seja, devem
agir impregnados de respeito pelo principio de igualdade em dignidade e direitos,
que permitam que todos se apropriem das oportunidades que se lhes oferecem.
CONSEQUÊNCIAS DA DESIGUALDADE DE OPORTUNIDADES?
O modo como os descendentes de imigrantes são tratados pela sociedade a que
estará, de alguma forma, subjacente o não reconhecimento do outro como
fazendo parte da mesma comunidade, da mesma sociedade, faz com que estes
sejam constantemente confrontados com a situação de terem de provar primeiro a
sua qualidade de cidadão, antes de poderem ter o direito a falar, quer dizer, antes
de lhes reconhecido o direito a ter direitos.
O que, por sua vez, pode levar a que o próprio descendente tenha dúvidas sobre
a sua qualidade de cidadão e se interrogue sobre a sua pertença a essa
comunidade, além de sobre a sua própria identidade.
Será que esse tratamento inadequado, com o sentimento de rejeição que provoca,
não interfere com o desenvolvimento das diferentes formas de competências
sociais, como a identidade, o sentimento de pertença, e isso depois não se
repercute no seu comportamento social?
Não queremos desresponsabilizar os descendentes, dos comportamentos antisociais,
que muitas vezes têm, mas, quantas vezes um determinando
comportamento não é influenciado, ainda que inconscientemente, pela maneira
como se é tratado pelos outros?
Estas situações de tratamento desigual acabam por interferir no processo de
crescimento e formação dos jovens descendentes, condicionando as
possibilidades de realização pessoais, limitando, as formas de acesso e de
pertença na sociedade.
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Os jovens não compreendem a origem nem o sentido das discriminações que
sofrem, porque partem do princípio que o tratamento que deveriam ter deveria ser
igual ao dado aos restantes cidadãos.
Os jovens questionam-se acerca das origens e do sentido do poder discriminatório
dos outros sobre eles, sobre a forma como certas possibilidades lhes estão
vedadas, sobre o que são e sobre o que poderão ser tendo em consideração as
barreiras que, de cada vez, encontram no seu percurso social.
QUESTIONAMENTOS:
A questão parece paradoxal: como se pode entender que cidadãos originários de
um território e possuindo a cidadania correspondente não gozem da igualdade de
oportunidades dentro do seu próprio país?
E como se pode contribuir para essa mudança?
Com as mudanças legislativas que têm sido operadas, certamente, mas com
outras medidas complementares também, viradas para a mudança de
mentalidades para o modo como a sociedade percepciona esses descendentes:
Com formação e informação nas escolas em disciplinas como cidadania, incluindo
nos curricula escolares conteúdos sobre a História dos povos;
Nos media com campanhas de informação e sensibilização, com debates sobre
cidadania e respeito pela diferença;
Com medidas de política de combate à exclusão social que é uma limitação à
condição de cidadania;
Com leis específicas contra a discriminação como existem em outros países como
Estados Unidos e Brasil.
O reconhecimento efectivo da cidadania, de todos os segmentos sociais pode,
numa sociedade atravessada de dúvidas e dificuldades, enquanto modo de
pertença, aparecer como uma solução redescoberta para reconstruir o laço social
ou para lhe dar sentido.
Se como é dito na nota de abertura da publicação do observatório da imigração do
ACIDI ‘ um direito que ignora ou esquece a realidade social, morre por “velhice” ou
inutilidade…. Não é menos verdade que uma sociedade que ignora o direito não
consegue atingir a harmonia social que todas as sociedades almejam.
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‘É esta nova cidadania que não decorre do Estado mas que dele é fundamento,
que constitui o combate necessário na construção de uma sociedade centrada na
pessoa.’
Feliciano Barreiras Duarte
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Bibliografia:
SILVA, Jorge Pereira da – Direitos de Cidadania e Direito à cidadania, Lisboa,
Edição Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas (ACIME), 2004.
TURNER, Bryan S. - Organization, Citizenship and Social Theory - London, SAGE
Publications Ltd, 1993
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